terça-feira, 24 de junho de 2008

Didakê e a Relação de Gentios com a Torá

O debate entre lei x gentios é pertinente e deve sempre ser ventilado para que não haja dúvidas. Na verdade esse debate é novo por alguns motivos:

1) A nova abordagem de que a lei não foi abolida com o evangelho;
2) A perenidade da aliança de D´us com os judeus;
3) A idéia de Jesus e os apóstolos judeus, estes continuaram judeus após a salvação pela graça.
4) O conceito de Igreja como uma comunidade que agrega judeus e gentios no Messias.
5) O reconhecimento de que a Igreja tem suas raízes na cultura judaica (bíblica e extra-bíblica).

Por isso, esse debate é novo e deve ser desenvolvido com sobriedade e pés-no-chão, afinal os temas acima estão sendo ventilados agora, e podem ser consideradas verdades bíblicas, escondidas a muito séculos e que agora vieram à tona.

Pois bem, para o enriquecimento do debate, gostaria apenas de expressar um texto que não pode estar fora do debate gentio x lei, refiro-me ao Didakê, aos que não conhecem aconselho darem uma lidinha na wikipedia clicando aqui é bem resumido, mas serve para introduzir o estudioso na referida obra.

Aqueles que desejarem acessar uma tradução do didakê na íntegra em português acessem: http://www.psleo.com.br/pa_didaque.htm

O que é o Didakê (didaque)?

Didakê diach em grego quer dizer "doutrina" uma referência a uma antiga obra (a posteriori) cristã que é datado entre os I e II século. O Didakê é importante justamente por sua relevância histórica, por sua datação e principalmente por seu valor teológico.

Segundo a maioria dos estudiosos o didakê é uma composta por líderes ou um líder da Igreja desconhecido (provavelmente um não-apóstolo) tendo em vista orientar gentios da Igreja a respeito de seu procedimento junto a comunidade de salvos (a Igreja), por isso começa com a seguinte frase: "Doutrina dos 12 apóstolos aos gentios".

O didakê é uma obra cristã antiga, não canônica e que possuem de fato algumas "interpolações" posteriores, como o uso da fórmula trinitariana, etc.

Porém, poucos autores destacam as raízes judaicas dessa respeitada obra da Igreja, segundo a Enciclopédia Judaica http://www.jewishencyclopedia.com/view.jsp?artid=341&letter=D&search=didache no referido verbete que debate esse assunto. O que me chama a atenção é que o referido verbete destaca que o Didakê é na verdade um antigo documento judaico de introdução aos prosélitos (gentios) à vida judaica, e que a referida obra foi adaptada pela Igreja Cristã a seu contexto. Isso é interessante, pois mostra novamente os vínculos profundos entre Igreja e Israel.

A adaptação de gentios a uma comunidade de discípulos majoritariamente de origem judaica não deve ter sido tarefa fácil, por isso decisões como as de Atos 15 e debates posteriores (como os preservados no Didakê), foram muito importantes para o acesso de não-judeus à comunidade de Israel (Ef 2).

Porém, minha ênfase refere-se a um trecho do didakê que diz o seguinte:

Cap. 6
2 - Pois, se puderes portar todo o jugo do Senhor, serás perfeito; se não puderes, faze o que puderes.

3 - Quanto aos alimentos, toma sobre ti o que puderes suportar, mas abstém-te completamente das carnes oferecidas aos ídolos, pois este é um culto aos deuses mortos.



Observem o verso 2, o que quer dizer a expressão "portar o jugo do Senhor"? Lembro que o termo "jugo" (em grego (zygon) ζυγον e em hebraico (ol) על) está presente no Talmud, inclusive na Mishná do tratado Berachot 2a o que significa que tal expressão é muito antiga no judaísmo (com conotação religiosa), na referida mishná há menção de que um judeu ao mencionar a segunda parte do Shemá (Dt 6:4) deve tomar o "jugo do reino dos céus", por isso a incersão na referida oração da expressão "Bendito seja seu nome e seu Reino para sempre" (barúch shem kevod malchúto leolam vaed). A expressão "jugo do reino dos céus" é sinônimo de "jugo dos mandamentos".

Podemos inferir que "jugo do Senhor" é uma referência a Torá, observe que o didakê é um documento para os gentios na Igreja, vejam que não há a idéia de "imposição", mas que deixa em aberto o acesso ao "jugo da Torá" (se puderes) , lembro que a expressão "perfeito" no texto é a expressão grega τελειος (téleiós) correspondente grego da expressão hebraica תמים (tamim) que significa "ser completo" ou "íntegro" não tem a conotação ocidental de perfeição, o primeiro uso da expressão na Torá se refere a Noé (que justo e íntegro).

Interessante pois a similaridade do verso 3 com Atos 15 nos mostra a influência das leis noéticas.

Podemos, especular - para não dizer concluir - que a comunidade cristã dos primeiros séculos da Igreja, abria a possibilidade de obediência voluntária e submissão voluntária ao "jugo da Torá" aos gentios, orientado-os que estas leis devem ser obedecidas na medida que pudessem suportar. E que de alguma forma, há algum tipo de "qualificação" nessa obediência, algo do tipo Mt 5:19: "...aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus". Observem, que há uma "hierarquia" no Reino determinada pela obediência, mas o grau de obediência não exclui a priori o cidadão do Reino.

Vamos pensando...

Abraços,
Prof. Igor Miguel